Em razão do Dia Mundial da Saúde Digestiva, proposto pela Organização Mundial da Saúde e celebrado no último dia 29 de maio, vamos destacar a fascinante, e pouco conhecida, conexão entre o cérebro e o intestino. Apesar de serem órgãos anatomicamente distantes um do outro, são intimamente co-dependentes e responsáveis por diversas reações no nosso organismo.
Antes de tudo, vamos falar sobre o intestino. O intestino humano é um órgão complexo e extenso, dividido em duas porções (intestino grosso e intestino delgado), e que compõe o sistema gastrointestinal [1]. É no intestino que se abrigam milhões de micro-organismos que, juntos, formam uma complexa comunidade microbiana, compondo assim a nossa microbiota intestinal. Apesar de ser prioritariamente reconhecido como o órgão responsável pela absorção de nutrientes a partir dos alimentos, o papel do intestino no organismo vai muito além, sendo, inclusive, considerado o nosso segundo cérebro. E por que segundo cérebro?
O intestino é o único órgão que possui seu próprio sistema nervoso, também chamado sistema nervoso entérico, composto por uma rede de 100 milhões de neurônios embutidos na parede intestinal [2]. Além disso, os micro-organismos intestinais produzem centenas de substâncias neuroquímicas que o cérebro utiliza para regular processos fisiológicos básicos e processos mentais, como aprendizagem, memória e humor [2]. Para se ter uma ideia, cerca de 95% do suprimento de serotonina, neurotransmissor que influencia tanto o humor quanto a atividade gastrointestinal, é produzido pelo intestino, sendo apenas 5% produzido pelo cérebro [3].
Entretanto, o sistema nervoso entérico não atua sozinho, a microbiota intestinal é uma aliada crucial na ligação com o cérebro. Existem cerca de 100 trilhões de bactérias no corpo de um adulto, sendo que 80% se localiza no intestino [4]. A composição da microbiota intestinal está em constante mudança e é influenciada por vários fatores, como o envelhecimento, o estresse, a alimentação, o uso de medicamentos, doenças e quadros inflamatórios [4].
Da mesma forma, o status do microbioma intestinal influencia diretamente o bem-estar do organismo. Especialistas têm destacado sua ação principalmente no sistema imune e no desenvolvimento de doenças mentais. Hoje podemos compreender melhor a declaração de Hipócrates, o pai da medicina, que há cerca de 2500 anos atrás já dizia que “todas as doenças começam no intestino” [5]. Evidências científicas demonstram que a microbiota intestinal e seus metabólitos estão envolvidos na modulação das funções do sistema gastrointestinal e na modulação de comportamentos e processos cerebrais, incluindo responsividade ao estresse, comportamento emocional, modulação da dor e bioquímica do cérebro [6].
Para se ter uma ideia da importância do equilíbrio da microbiota intestinal e sua influência no organismo, estudos ainda em fase exploratória comprovaram que a microbiota de pessoas com depressão parece diferir da microbiota de indivíduos saudáveis, apresentando menor diversidade dos micro-organismos intestinais, bem como maiores níveis de inflamação. Da mesma forma, foi demonstrado que pacientes com síndrome do intestino irritável e outras doenças inflamatórias do trato gastrointestinal costumam ter ansiedade e depressão como comorbidades [7].
Compreender como os micro-organismos intestinais influenciam a comunicação do eixo microbiota-intestino-cérebro é extremamente importante e promissor para a manutenção adequada da função cerebral e do sistema imunológico, evitando o desenvolvimento de doenças ou transtornos emocionais e mentais [5]. E de que forma podemos manter o equilíbrio da microbiota intestinal? Pela dieta! A dieta é um importante modulador da microbiota, pois através dela podemos favorecer o equilíbrio do microbioma intestinal de modo a estimular a proliferação de micro-organismos benéficos.
Nesse sentido, os probióticos e prebióticos são estratégias essenciais para a manutenção desse equilíbrio. Os prebióticos são componentes alimentares não-digeríveis que estimulam a proliferação de micro-organismos bons para o intestino e podem ser encontrados em alguns leites e fórmulas lácteas, na banana e em cereais integrais. Já os probióticos são alimentos que contêm os próprios microrganismos vivos, presentes em iogurtes e bebidas lácteas fermentadas que ajudam a manter a microbiota intestinal em equilíbrio [8]. Dessa forma, se o intestino vai bem, o corpo todo fica bem, e seu organismo se beneficia desse bem-estar.
Produzido por: Pietra Sacramento Prado, BSc e Renata Cavalcanti, PhD
Referências
1. Thursby, E. and N. Juge, Introduction to the human gut microbiota. Biochem J, 2017. 474(11): p. 1823-1836.
2. Carpenter, S. That gut feeling. 2012 [Acesso 13/05/2021]; American Psychological Association (APA):[Disponível em: https://www.apa.org/monitor/2012/09/gut-feeling#:~:text=Gut%20bacteria%20also%20produce%20hundreds,both%20mood%20and%20GI%20activity.
3. Camilleri, M., Serotonin in the gastrointestinal tract. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes, 2009. 16(1): p. 53-9.
4. Wang, H.X. and Y.P. Wang, Gut Microbiota-brain Axis. Chin Med J (Engl), 2016. 129(19): p. 2373-80.
5. Cryan, J.F., et al., The Microbiota-Gut-Brain Axis. Physiol Rev, 2019. 99(4): p. 1877-2013.
6. Mayer, E.A., K. Tillisch, and A. Gupta, Gut/brain axis and the microbiota. J Clin Invest, 2015. 125(3): p. 926-38.
7. Souzedo, F.B., L. Bizarro, and A.P.A. Pereira, O eixo intestino-cérebro e sintomas depressivos: uma revisão sistemática dos ensaios clínicos randomizados com probióticos. J. bras. psiquiatr. , 2020. 69(4): p. 269-276.
8. A. C. CAMARGO. Prebiótico x probiótico: saiba a diferença e por que são importantes para a saúde. 2019 [Acesso 17/05/2021]; Disponível em: https://www.accamargo.org.br/sobre-o-cancer/noticias/prebiotico-x-probiotico-saiba-diferenca-e-por-que-sao-importantes-para.