No dia 11 de março de 2020 a OMS anunciava oficialmente que a COVID-19 se tratava de uma pandemia causada por um vírus facilmente transmissível. Mediante a isso, medidas profiláticas, como o isolamento social e a quarentena, foram instauradas no mundo todo, levando cerca de um terço da população mundial ao confinamento [1, 2].
Desde então, a contar da data da publicação deste blog, mais de um ano se passou, e as medidas profiláticas continuam as mesmas, sendo o isolamento social ainda uma realidade na maioria dos países, especialmente na América Latina. Especialistas afirmam que este pode ser o maior experimento psicológico da história da humanidade [1], devido aos impactos significativos que a mudança do estilo de vida causada pelo isolamento social pode ter gerado na saúde mental da grande maioria das pessoas.
A maioria dos relatos consiste na sensação de sobrecarga dos afazeres, não ser capaz de lidar com as obrigações, estresse excessivo, distúrbios do sono, sintomas de ansiedade e depressão [3] e um amplo sentimento de solidão [1]. Além desses fatores de ordem emocional e comportamental, a função cognitiva, mais especificamente a memória e a capacidade de processamento das informações, também estão sofrendo prejuízos [4].
Portanto, se você está tendo mais dificuldade para se lembrar de coisas simples ou para processar informações, saiba que não está sozinho, e isto pode ser um efeito colateral do isolamento. Desde que a pandemia teve início, muitas pessoas vêm reclamando de falhas na memória recente, ou memória de trabalho [5]. A memória de trabalho retém uma quantidade limitada de informações, por um curto período de tempo, a serviço de outras atividades mentais em andamento [6]. Mesmo que essas falhas sejam naturalmente mais frequentes em pessoas acima de 60 anos, as queixas de falta de memória não são exclusivas dos idosos e a ciência tenta explicar o porquê.
Apesar de ainda não existirem evidências claras sobre a associação entre o isolamento social e as mudanças na memória e nas habilidades de pensamento, algumas possibilidades incluem uma diminuição da estimulação da atividade mental. Tais estimulações são conhecidas por virem da interação social e afetiva, da prática de atividades físicas, especialmente coletivas, e da organização de compromissos fora de casa, onde estamos vulneráveis a imprevistos do trânsito, do clima e diversos outros [5].
Em testes com animais de laboratório, foi visto que o isolamento pode causar mudanças neuroquímicas como o encolhimento do cérebro e algumas alterações comuns à doença de Alzheimer. Outro efeito é a redução do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), o principal promotor da neuroplasticidade neuronal, fundamental para a formação, conexão e reparo dos neurônios [5, 7], e para a consolidação da memória no hipocampo [8].
Estudos longitudinais com seres humanos, conduzidos antes da pandemia, já investigavam o efeito da solidão e do isolamento social na população idosa, por ser um grupo que comumente se encontra distante de amigos e familiares. O English Longitudinal Study of Aging, por exemplo, acompanhou mais de 6 mil indivíduos durante um período de 4 anos e observou que o isolamento social e a solidão estão relacionados à diminuição da memória episódica e da fluência verbal [9]. Estes resultados são corroborados por estudos conduzidos em diferentes países, que também correlacionaram a solidão social com a piora da função cognitiva [10-13].
Em 2020, um estudo pequeno descobriu que 60% das pessoas com comprometimento cognitivo leve ou doença de Alzheimer experimentaram piora da cognição e aumento dos quadros de delírio durante o isolamento [11]. O Dr. Joel Salinas, neurologista comportamental e membro do corpo docente de Harvard, observou , em sua prática clínica, que alguns de seus pacientes que estavam bem antes da pandemia, agora estão apresentando um declínio cognitivo mais rápido [5]. E afirma que ter acesso a outras pessoas para suporte emocional parece ter um efeito protetor sobre a saúde do cérebro – evidenciado pelos níveis aumentados de BDNF e riscos reduzidos de demência ou derrame [5].
Dr. Joel Salinas menciona ainda que a pandemia pode desencadear altos níveis de estresse, o que pode afetar as habilidades de processamento do cérebro. Dado que o estresse é responsável por picos de cortisol, ele submete o organismo ao modo de sobrevivência, lutar ou fugir, alterando os estados de humor e prejudicando o foco, a atenção, a qualidade do sono e a consolidação da memória [5]. Para contornar essa situação do isolamento social, o ideal é procurar manter sempre contato com familiares e amigos, mesmo que por chamadas de vídeo e ligações telefônicas.
Especificamente para a melhora da memória, suplementos alimentares são poderosos aliados! Alguns nutrientes como a colina e o ômega 3 têm papel essencial na manutenção da homeostase e funcionamento do cérebro, com seus benefícios cientificamente comprovados [14-16].
A colina é um nutriente essencial que age como substrato para a síntese de acetilcolina (principal neurotransmissor das vias colinérgicas), da fosfatidilcolina (componente estrutural primário das membranas fosfolipídicas de todas as células, incluindo as células neuronais), e da esfingomielina (fosfolipídio importante para a mielinização neuronal) [17]. Além disso, atua como doadora de grupos metil, modulando a expressão de genes críticos para a plasticidade sináptica e processos de aprendizado e memória [18]. Diversos estudos demonstraram os seus efeitos benéficos na prevenção do declínio cognitivo em idosos [19-21], assim como verificaram que baixos níveis de colina foram associados à uma baixa performance cognitiva [21].
Já o ômega-3 é um ácido graxo poli-insaturado, composto por ácido docosahexaenoico (DHA) e ácido eicosapentaenoico (EPA), com reconhecidos efeitos positivos sobre o cérebro e a função cognitiva [22-24]. Ademais, a colina que atua como precursora dos fosfolipídeos das membranas celulares, aumenta o aproveitamento de DHA pelas membranas [25], potencializando assim a ação do DHA.
Produzido por: Pietra Prado, BSc e Renata Cavalcanti, PhD
Referências
1. Llorente, A. Coronavírus: confinamento é ‘o maior experimento psicológico da história’, diz especialista em trauma. BBC News Mundo 2020 [Acesso; Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-53204453.
2. Smith, B.J. and M.H. Lim, How the COVID-19 pandemic is focusing attention on loneliness and social isolation. Public Health Res Pract, 2020. 30(2).
3. Batra, K., et al., Assessing the Psychological Impact of COVID-19 among College Students: An Evidence of 15 Countries. Healthcare (Basel), 2021. 9(2).
4. Amanzio, M., et al., Lockdown Effects on Healthy Cognitive Aging During the COVID-19 Pandemic: A Longitudinal Study. Front Psychol, 2021. 12: p. 685180.
5. Harvard Health Publishing. How isolation affects memory and thinking skills. 2021 [Acesso; Disponível em: https://www.health.harvard.edu/mind-and-mood/how-isolation-affects-memory-and-thinking-skills.
6. Xie, W., S. Campbell, and W. Zhang, Working memory capacity predicts individual differences in social-distancing compliance during the COVID-19 pandemic in the United States. Proc Natl Acad Sci U S A, 2020. 117(30): p. 17667-17674.
7. Lu, B., G. Nagappan, and Y. Lu, BDNF and synaptic plasticity, cognitive function, and dysfunction. Handb Exp Pharmacol, 2014. 220: p. 223-50.
8. Leal, G., C.R. Bramham, and C.B. Duarte, BDNF and Hippocampal Synaptic Plasticity. Vitam Horm, 2017. 104: p. 153-195.
9. Shankar, A., et al., Social isolation and loneliness: relationships with cognitive function during 4 years of follow-up in the English Longitudinal Study of Ageing. Psychosom Med, 2013. 75(2): p. 161-70.
10. Lara, E., et al., Are loneliness and social isolation associated with cognitive decline? Int J Geriatr Psychiatry, 2019. 34(11): p. 1613-1622.
11. Wilson, R.S., et al., Loneliness and risk of Alzheimer disease. Arch Gen Psychiatry, 2007. 64(2): p. 234-40.
12. Tilvis, R.S., et al., Predictors of cognitive decline and mortality of aged people over a 10-year period. J Gerontol A Biol Sci Med Sci, 2004. 59(3): p. 268-74.
13. Yu, B., et al., Social isolation, rather than loneliness, is associated with cognitive decline in older adults: the China Health and Retirement Longitudinal Study. Psychol Med, 2020: p. 1-8.
14. Cardoso, C., C. Afonso, and N.M. Bandarra, Dietary DHA and health: cognitive function ageing. Nutr Res Rev, 2016. 29(2): p. 281-294.
15. Sanders, L.M. and S.H. Zeisel, Choline: Dietary Requirements and Role in Brain Development. Nutr Today, 2007. 42(4): p. 181-186.
16. Zeisel, S.H., Choline: an essential nutrient for humans. Nutrition, 2000. 16(7-8): p. 669-71.
17. Wurtman, R.J., M. Cansev, and I.H. Ulus, Choline and its products acetylcholine and phosphatidylcholine. Handbook of Neurochemistry and Molecular Neurobiology: Neural Lipids, 2009. New York: Springer , 3 ed.: p. 443-500.
18. Blusztajn, J.K. and T.J. Mellott, Choline nutrition programs brain development via DNA and histone methylation. Cent Nerv Syst Agents Med Chem, 2012. 12(2): p. 82-94.
19. Rijpma, A., et al., Effects of Souvenaid on plasma micronutrient levels and fatty acid profiles in mild and mild-to-moderate Alzheimer’s disease. Alzheimers Res Ther, 2015. 7(1): p. 51.
20. Naber, M., B. Hommel, and L.S. Colzato, Improved human visuomotor performance and pupil constriction after choline supplementation in a placebo-controlled double-blind study. Sci Rep, 2015. 5: p. 13188.
21. Nurk, E., et al., Plasma free choline, betaine and cognitive performance: the Hordaland Health Study. Br J Nutr, 2013. 109(3): p. 511-9.
22. Innis, S.M., Dietary omega 3 fatty acids and the developing brain. Brain Res, 2008. 1237: p. 35-43.
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24. Vance, D.E., C.J. Walkey, and Z. Cui, Phosphatidylethanolamine N-methyltransferase from liver. Biochim Biophys Acta, 1997. 1348(1-2): p. 142-50.
25. West, A.A., et al., Choline intake influences phosphatidylcholine DHA enrichment in nonpregnant women but not in pregnant women in the third trimester. Am J Clin Nutr, 2013. 97(4): p. 718-27.