A vitamina D foi descoberta como agente curativo para o raquitismo nutricional e suas ações clássicas estão associadas à absorção de cálcio e à saúde óssea. Mas, além disso, ela produz uma série de efeitos extra esqueléticos, particularmente na imunidade, como, por exemplo, prevenção do excesso de crescimento bacteriano e aprimoramento da função da barreira intestinal.
O cálcio desempenha um papel fundamental em numerosos processos biológicos, que vão desde a contração muscular e a secreção de proteínas até a excitabilidade neuronal e a coagulação do sangue. Esses processos exigem que a concentração sérica de cálcio seja mantida dentro de uma faixa estreita e, para que isso se torne possível, são muito importantes as contribuições do intestino, do rim e do esqueleto.
A absorção intestinal adequada é essencial para a aquisição de cálcio, e as adaptações na reabsorção renal ajudam a manter o equilíbrio. O esqueleto é o principal reservatório de cálcio e é preciso que haja um balanceamento entre a quantidade equivalente de cálcio liberada pela reabsorção óssea (dos ossos para a corrente sanguínea) e a depositada pela formação óssea. A reabsorção óssea pode aumentar, se necessário, para manter a concentração sérica de cálcio, mas, quando ela é excessiva, ocorre às custas da massa óssea, aumentando o risco de osteopenia.
A homeostase de cálcio é regulada, principalmente, pelo hormônio paratireoidiano (PTH) e pela 1,25-dihidroxi vitamina D [1,25(OH)2D], que é a forma ativa da vitamina D.
A principal fonte de vitamina D está na exposição da pele à luz solar e até 20% provêm da ingestão dietética. A vitamina D2 (ergocalciferol) é encontrada em leveduras, cogumelos e alguns vegetais, enquanto a vitamina D3 (colecalciferol), em alimentos de origem animal. Esta última é também sintetizada na pele por meio da radiação ultravioleta B.
Para ser biologicamente ativa, a vitamina D sofre hidroxilações no fígado, mediadas pela 25-hidroxilase, e no rim, pela 1α-hidroxilase. A 1,25(OH)2D é reconhecida por seus receptores específicos (VDR) em várias células, que se encontram, principalmente, no intestino, para aumentar a absorção de cálcio e, no osso, para regular a homeostase esquelética.
Uma redução na concentração sérica de cálcio estimula a liberação de PTH das glândulas paratireóides, o que aumenta a reabsorção de cálcio renal e ósseo. O PTH também estimula a conversão de 25-hidroxi vitamina D [25(OH)D] para 1,25(OH)2D, o que, por sua vez, aumenta a absorção intestinal de cálcio. A 1,25(OH)2D também pode ter efeitos diretos no osso, aumentando a reabsorção e inibindo a mineralização da matriz óssea, ou seja, inibindo a deposição para a formação óssea. Juntas, essas medidas fazem a concentração sérica de cálcio voltar ao normal.
Além da importantíssima atuação no metabolismo do cálcio, a vitamina D tem papel de destaque no intestino.
O lúmen intestinal hospeda uma infinidade de microorganismos que participam da assimilação de alimentos, da inativação de partículas prejudiciais e da síntese de vitaminas. Por outro lado, a flora entérica e uma série de antígenos alimentares e toxinas são capazes de desencadear respostas imunes, que causam inflamação e podem levar a condições crônicas, como a doença inflamatória intestinal. É importante, então, conter as bactérias intestinais dentro do lúmen, controlar a carga e a composição microbiana bem como assegurar respostas imunes adequadas às ameaças patogênicas.
Há evidências crescentes de que a sinalização de vitamina D tem impactos em todos esses aspectos da fisiologia intestinal, contribuindo para a homeostase entérica saudável.
A vitamina D desempenha papéis importantes nas respostas imunes, no ciclo celular e nos processos metabólicos, evidenciados pela relação relatada entre sua deficiência e a prevalência de distúrbios do sistema imune, o câncer e as doenças cardiometabólicas, além de inflamação crônica, tais como a colite ulcerativa (que afeta mais frequentemente o reto) e a doença de Crohn (geralmente afetando o íleo terminal).
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