Com o avançar da ciência, fica cada vez mais claro a importância e a influência da nutrição na saúde humana, o que inclui o período gestacional. O conceito que antes era denominado como os primeiros 1000 dias de vida, agora passa a englobar um período que antes não era tão estudado, o período pré-concepção. Diante disso, o conceito foi atualizado para os primeiros 1100 dias, fase que engloba, portanto, o período antes da concepção (90 dias), a gestação (280 dias) e os dois primeiros anos da criança (730 dias), períodos considerados como uma “janela de oportunidade e vulnerabilidade” para o crescimento e o desenvolvimento humano1.

 

Abordando especificamente a saúde feminina, novas pesquisas mostram que fatores nutricionais podem afetar a modulação do ambiente uterino, da placenta e da qualidade do óvulo antes da concepção, com implicações diretas nos desfechos gestacionais, na saúde da mãe e do bebê2, e até mesmo das futuras gerações3,4. Um estado nutricional adequado é capaz de promover o desenvolvimento de uma gravidez saudável, reduzindo, por exemplo, os riscos de desenvolvimento de hipertensão e diabetes gestacionais, ocorrência de parto prematuro e restrição de crescimento fetal5,6.

 

Durante a gestação as demandas nutricionais aumentam consideravelmente na mulher, a fim de suprir não somente seu próprio metabolismo, mas também o metabolismo do bebê em desenvolvimento. Dessa forma, quando a mulher apresenta níveis baixos de determinados nutrientes, ou já se encontra em estado de deficiência nutricional no período pré-concepção, ao engravidar suas reservas serão esgotadas. Por exemplo, se a mulher está deficiente de ferro no período pré-concepção, as chances de se tornar anêmica durante a gestação são enormes. Logo, já está claro na prática clínica e nas evidências científicas que intervenções nutricionais nessa fase da vida proporcionam benefícios consideráveis a curto e longo prazo para a mãe e o bebê. Entre os nutrientes, as organizações de saúde preconizam o consumo de folato, colina, ferro, vitamina D, iodo, entre outros4,7.

 

O folato (vitamina B9), sob a forma de ácido fólico ou metilfolato, é sem dúvidas o nutriente mais importante e reconhecido para esta fase. Seu consumo é indispensável para a prevenção de defeitos de fechamento do tubo neural (DFTN), no desenvolvimento cognitivo e na promoção do crescimento e do desenvolvimento normais do ser humano. A suplementação com folato antes da concepção e no início da gravidez pode prevenir 40-80% dos DFTN, como a espinha bífida e a anencefalia8. Tamanha a importância desse nutriente, que seu consumo é recomendado para todas as mulheres em idade reprodutiva9,10.

 

A colina, em sinergia com as vitaminas do complexo B, atua no controle dos níveis de homocisteína, uma molécula oxidativa que, quando acumulada, está associada a diversas complicações gestacionais, o que inclui defeitos de fechamento do tubo neural, pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, aborto espontâneo e desprendimento placentário11-13. De fato, estudos demonstram que a ingestão materna de colina está associada à menor incidência de DFTN14,15, com um consumo diário de igual ou superior a 498,46 mg associado a, aproximadamente, 50% de redução de risco para DFTN14.

 

A vitamina D é, também, umas das vitaminas com maior prevalência de deficiência, estima-se que, no Brasil, cerca de 35% e 42% das mulheres em idade reprodutiva estejam deficientes ou com níveis insuficientes de vitamina D, respectivamente16. A deficiência de vitamina D tem sido associada ao raquitismo neonatal bem como a diversos desfechos adversos da gestação, como diabetes mellitus gestacional, pré-eclâmpsia, prematuridade e PIG (bebês considerados pequenos para a idade gestacional), e risco aumentado de desenvolvimento de sintomas de depressão pós-parto9,17-19.

 

O ferro, por fim, é vital na prevenção da deficiência de ferro e na anemia ferropriva. A anemia é um problema comum entre mulheres em idade reprodutiva, estima-se que 25% e 31% das mulheres em idade reprodutiva estejam anêmicas ou deficientes em ferro, respectivamente, no Brasil20,21. Além dos prejuízos próprios da anemia na mulher, a anemia gestacional está associada ao comprometimento cognitivo do bebê a curto e longo prazo, aumento de risco de pré-eclâmpsia, baixo peso ao nascer, maior incidência de partos prematuros e restrição de crescimento intrauterino22.

 

Logo, torna-se bem evidente o papel da nutrição na saúde humana, o que inclui até mesmo o período pré-embrionário. Essa herança epigenética não só favorece a saúde da futura mãe, bem como reduz o risco do bebê desenvolver algumas doenças crônicas na vida adulta. Sendo assim, os profissionais da saúde que atendem a mulher nesta fase não somente têm um papel essencial para sua adequada orientação nutricional, mas também têm a oportunidade de influenciar uma saúde melhor para as futuras gerações. No entanto, há um grande desafio a ser enfrentado nessa fase, que é a gravidez não planejada. Hoje, sabe-se que quase metade das gestações não são planejadas. Um estudo conduzido no Reino Unido, por exemplo, mostrou que muitas mulheres em idade reprodutiva não estão nutricionalmente preparadas para a gravidez, mesmo considerando os níveis mais baixos de ingestão adequada de nutrientes2.

 

Por fim, é importante ressaltar que os cuidados nutricionais não cabem exclusivamente à mulher, o estado nutricional do homem também impacta diretamente na saúde e qualidade do embrião, e devem ser tratados com a mesma atenção e cuidado23.

 

 

Produzido por: Pietra Sacramento Prado, BSc.

 

Referências:

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