A deficiência nutricional é um problema mundial, que acomete principalmente países em desenvolvimento, sendo mais prevalente em crianças e mulheres em fase reprodutiva. As carências nutricionais mais comuns são causadas pela baixa ingestão de ferro, vitamina A e iodo, que juntas afetam cerca de 1/3 da população mundial (sendo a deficiência de ferro a mais prevalente).
Do ponto de vista da saúde pública, a deficiência de nutrientes é um grande fator de risco para doenças, contribuindo para o aumento das taxas de morbidade e mortalidade. Em países pobres, essa deficiência acontece devido à escassez de comida e de variedade alimentar; no entanto, apesar do melhor acesso a alimentos em países ricos, o alto consumo de alimentos industrializados pobres em nutrientes também coloca a população em risco para deficiências. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, a população brasileira tem passado por um processo de transição alimentar, com a redução do consumo de alimentos tradicionais e in natura, consequentemente reduzindo sua ingestão de fibras, vitaminas e minerais.
A fortificação de alimentos é uma das estratégias adotadas mundialmente e recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para prevenir ou corrigir carências nutricionais manifestadas pela população. De acordo com a ANVISA, um alimento fortificado ou enriquecido de nutrientes é todo aquele ao qual for adicionado um ou mais nutrientes essenciais, como vitaminas, minerais ou aminoácidos. A fortificação também pode reinserir nutrientes que foram perdidos durante o processamento do alimento e também tornar os produtos mais atraentes para um determinado segmento consumidor.
Diversos alimentos têm sido utilizados como veículo para a fortificação, como farinhas, sucos, cereais e leite. A adição de fortificantes deve ocorrer em alimentos que efetivamente participem da rotina da população, após a avaliação do estado nutricional desse grupo para a identificação de carências, e respeitando as normas da Legislação Brasileira, onde em 100 ml ou 100g do produto pronto para consumo forneça 15% da IDR (ingestão diária recomendada) para alimentos líquidos e 30% da IDR para os sólidos. Também deve-se considerar fatores como a biodisponibilidade do nutriente adicionado, seu impacto nas características sensoriais do produto (palatabilidade) e a solubilidade. Alguns dos micronutrientes mais comumente aplicados às técnicas da fortificação de alimentos são: ferro, ácido fólico, vitamina D, cálcio, vitamina A e iodo.
Ferro e ácido fólico
A fortificação de ferro e ácido fólico está associada a redução da prevalência de anemia e melhor estado nutricional da gestante, respectivamente. Crianças menores de dois anos, gestantes e mulheres em idade fértil são as mais acometidas pela anemia ferropriva. O processo de fortificação com ferro é um método complexo e consiste na seleção de um composto que seja discreto e bem absorvido, pois o alimento pode interferir na absorção dos elementos, diminuindo sua biodisponibilidade. Países da América Latina, Estados Unidos e Canadá fazem a fortificação de farinha de trigo e cereais com ferro e/ou ácido fólico. No Brasil, essa fortificação é obrigatória, sendo implantada pela Resolução RDC n. 344/2002 como estratégia do Ministério da Saúde para prevenção de anemia e redução da incidência de doenças do tubo neural. Cada 100g de produto deve fornecer 4,2 mg de ferro e 150 µg de ácido fólico.
Vitamina D
A deficiência de vitamina D é muito comum na população mundial, e em situações severas causa raquitismo em crianças e ostomalácia em adultos (os efeitos dessa deficiência são acentuados quando há também deficiência de cálcio). Poucos alimentos não-fortificados possuem vitamina D e, mesmo assim, possuem em pouca quantidade. A vitamina D é comumente adicionada em alimentos como leite, margarina e cereais matinais, que apresentam vantagens porque são muito usados e bem adaptados à alimentação. Nos EUA e Canadá, a fortificação foi responsável pela eliminação da ocorrência de raquitismo em crianças. As formas de vitamina D2 e D3 podem ser escolhidas para adição na fortificação, preferencialmente acompanhada de algum antioxidante, devido a sua sensibilidade ao oxigênio.
Cálcio
A consequência mais comum da deficiência de cálcio é a osteoporose. A queda no consumo de leite e derivados é um fator importante na deficiência de cálcio pela população, além de sua absorção ser dificultada pela carência de vitamina D que acomete grande parte das pessoas. Laticínios são os produtos mais fortificados com este mineral, mas também pode ser adicionado a sucos e outras bebidas (como aquelas a base de soja).
Vitamina A
A deficiência de vitamina A provoca prejuízos na visão, causando cegueira noturna e xeroftalmia. Estima-se que cerca de 250.000 – 500.000 crianças são atingidas no mundo por cegueira relacionada a deficiência de vitamina A. No Brasil é possível identificar casos de deficiência, e diante desse cenário, empregou-se a fortificação dessa vitamina no óleo vegetal – produto usado na alimentação básica para cozimento de arroz.
Iodo
A deficiência de iodo leva a distúrbios no funcionamento da glândula tireoide, provocando doenças como o bócio e o cretinismo. Assim, a adição de iodo ao sal, primeiramente em áreas de bócio endêmico e depois por todo o país, pode ser considerada grande responsável pela redução da incidência de doenças relacionadas a sua carência.
Embora exista o risco de não se obter nutrientes adequados na dieta, existe também a preocupação sobre se os indivíduos estão consumindo nutrientes em excesso. Desta forma, medidas fiscalizatórias fazem necessárias para garantir-se o controle de qualidade da fortificação dos alimentos, dentro de parâmetros de segurança e com constante avaliação da ingestão alimentar da população.
Referências
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